O CALCANHAR DE ÁQUILES
Jerri Almeida
Narra à mitologia grega, que a deusa Tétis apaixonou-se por um rei humano chamado Peleu. Desse amor nasceu um menino. Todavia, a mãe percebeu que a criança havia herdado as características humanas do pai. Entristecida, Tétis passou a banhar, periodicamente o
filho nas águas do Estige, na expectativa de torná-lo invulnerável, com os qualificativos dos deuses. Certa noite, no entanto, Peleu já desconfiado das ausências de sua esposa, resolveu segui-lá. Aquela seria a última etapa, faltava somente mergulhar os calcanhares do menino, por onde ela habitualmente o segurava. Mas Peleu, sem nada saber, imaginando que sua divina esposa pudesse ter enlouquecido e que ela afogaria seu pequeno filho, avança arrancando Áquiles de seus braços.
O menino cresce e transforma-se no mais notável guerreiro. Mas Áquiles, apesar disso, possuía seus pontos frágeis: os calcanhares. Foi assim que, na guerra de Tróia, um arqueiro desastrado atingiu-lhe o calcanhar, fazendo o poderoso soldado tombar e, ali mesmo, Áquiles pereceu.
Nessa breve introdução, desejamos ressaltar que todos nós possuímos nossas vulnerabilidades. Na convivência humana esses “calcanhares” se chocam, se atritam, provocando no panorama do mundo contemporâneo, com sua cultura utilitarista, uma espécie de esvaziamento das relações. No cerne dessa temática surge o problema da decepção com o outro que foge, determinantemente, de nossas idealizações de perfeição.
Discutindo a chamada “sociedade da decepção”, o filósofo francês Gilles Lipovetsky afirmou:
Os valores hedonistas, a sobrecarga, os ideais psicoculturais, os fluxos de informação, tudo isso deu origem a um gênero de individuo mais introvertido, mais exigente, mas também, mais vulnerável aos tentáculos da decepção. Após a “cultura do aviltamento” e a “cultura da culpabilidade” (...) temos agora o tempo das culturas da ansiedade, da frustração e da decepção.
Para ele, uma das possíveis causas que ajudam a explicar esse fenômeno contemporâneo é o enfraquecimento dos dispositivos religiosos de socialização. Apesar das religiões, conforme Gilles, não impedirem as manifestações de amarguras e os desafios humanos, elas representam, em sua versão conservadora, uma espécie de “refúgio” ou um “ponto de apoio” ou de “consolação” insubstituível.
Kardec, muito antes de Gilles, já afirmava durante a Viagem Espírita de 1862, em discurso pronunciado nas reuniões gerais em Lyon e Bordeaux que:
O homem chegou a um período em que as ciências, as artes e a indústria atingiram um limite até hoje desconhecido; se os gozos que delas tira satisfazem à vida material, deixam um vazio na alma; o homem aspira a algo melhor: sonha com melhores instituições; quer a vida, a felicidade, a igualdade, a justiça para todos. Mas, como atingir tudo isso com os vícios da sociedade e, sobretudo, com o egoísmo?
Para Kardec a imperfeição humana é a fonte geradora de múltiplos conflitos. Ele observa, durante um banquete que lhe é oferecido na cidade de Lyon, que o conhecimento do Espiritismo não mais conduziria nem ao isolamento, nem ao desespero. Sua influência educativa já havia corrigido muitas imperfeições, levado paz a inúmeras famílias, propagando esperança e felicidade.
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