domingo, 8 de julho de 2012


À Sombra do Golpe: crise da democracia, implantação 

da ditadura no Brasil e os anos rebeldes


Jerri Almeida
Historiador. Especialista em Diálogos entre História e Literatura do RS.


A vexatória renúncia de Jânio Quadros à presidência da república, em 
agosto de 1961, instaura a denominada “crise da legalidade”, um período
 turbulento e delicado pela não aceitação das forças armadas à assunção
 do vice-presidente, João Goulart (Jango), ao poder. Os desdobramentos 
desse fato colocariam em xeque a incipiente e frágil democracia brasileira, 
culminando em 31 de março de 1964 com o golpe que implantou, por vinte 
e um anos, a ditadura militar no Brasil.
Jango, um homem enigmático, herdeiro do trabalhismo de Getúlio Vargas, 
desde fins de 1961, defendia a necessidade das “reformas de base” que
 atingiria a questão agrária, a universidade, a área tributária e eleitoral. 
O projeto de Jango sofreu forte resistência dos setores conservadores da
 sociedade, sendo – por fim – derrotado no Congresso. Se por um lado, havia
 por parte desses setores elitistas uma forte resistência à tradição 
do Estado Populista, personificado agora na figura de Jango, por outro, vários
 setores mobilizavam-se, como é o caso das Ligas Camponesas e da UNE
 (União Nacional dos Estudantes) visando imprimir, radicalmente, essas 
reformas no campo e na cidade.
Em época de Guerra Fria, sob o impacto ainda recente da Revolução Cubana
 (1959), a elite brasileira via com  temeridade o “fantasma do comunismo” que
 rondava o Brasil sob a égide das políticas sociais de João Goulart. Nesse
 contexto, as Forças Armadas estavam divididas em dois grupos: os que
 defendiam como necessárias as transformações na sociedade brasileira, e 
os que se opunham radicalmente ao governo Jango, acusando-o de ligações
 com o comunismo. O clima se acirrou, ainda mais, com o grande comício da 
Central do Brasil, em 13 março de 1964, no antigo Estado da Guanabara, 
quando, diante de uma imensa concentração de 150 mil pessoas, Goulart 
]anunciou uma série de medidas radicais como a reforma agrária e a nacionalização
 das refinarias de petróleo, o que significava uma atitude que passava por 
cima do Congresso, explorando-se os poderes do executivo.
Entretanto, no caso de protesto do Congresso, Jango tencionava recorrer, 
novamente, ao “plebiscito” para demonstrar o apoio popular para suas reformas. 
Essa nova fase de Jango, inegavelmente, iniciou com o comício da sexta-feira 
13 de março. Em seu discurso, o presidente enfatizou a necessidade da 
reforma agrária e de uma nova Constituição que melhorasse a ordem sócio-
econômica do Brasil. Todavia, Jango jamais organizara realmente uma base 
de apoio popular consistente para as reformas almejadas. Para o historiador
 Thomas Skidmore, a aproximação de Goulart da esquerda radical, da qual 
fazia parte Brizola, fez com que ele perdesse o apoio dos militares.
Aquilo que para os setores de esquerda radical,  era um governo democrático,
 que pretendia mexer na política fundiária e diminuir o fosso das desigualdades
 sociais da sociedade brasileira, era, para os conservadores, proprietário de 
terras, políticos direitistas,  Igreja Católica, etc, o prenúncio da “desordem 
comunista” que deveria ser barrada. A reação inicial desses setores 
conservadores foi a realização em São Paulo, em 19 de março de 1964, 
]da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Defendia-se o 
anticomunismo, a moral e a família.  Governadores como Adhemar de 
Barros (SP) e Carlos Lacerda (GB) chegaram, inclusive, apoiar abertamente
 a rebelião contra o Governo Federal.
O 13 de março solidificou a oposição a Jango. As forças políticas do Centro 
migraram para a Direita Radical, fortalecendo-se o discurso de que o Presidente
 havia rejeitado a democracia. A oficialidade militar passou a olhar para Jango 
como um “subversivo” e, logo, caíram no ataque. De alguma forma revivia-se 
o ano de 1954 quando Getulio era forçado a abandonar o poder, fato que 
culminou em seu suicídio.
Preparava-se, sob o comando do General Castelo Branco, o golpe, não 
contra Jango, mas contra a incipiente democracia brasileira.
Um conjunto de articulações, no interior das Forças Armadas, tomou vulto 
em 20 de março de 64. Um grupo mais intelectualizado, de oficiais, sob o 
comando do General Castelo Branco, preparava-se para o golpe sob o pretexto
 de que o papel histórico das Forças Armadas era o de defender a ordem 
constitucional do país. Com o apoio do Governador de Minas Gerais, Magalhães
] Pinto, o general Olympio Mourão Filho pôs suas tropas a marcharem para 
o Rio de Janeiro, detonando, assim, o golpe militar contra o governo João 
Goulart, em 31 de março de 1964.
Praticamente, a única iniciativa de resistência contra o golpe veio de Leonel 
Brizola, do PTB do Rio Grande do Sul. Todavia, Jango, que, para alguns 
historiadores, era portador de uma personalidade conciliatória, encarou com 
realismo a deposição, o que gerou, sabidamente, uma indisposição com seu
 cunhado, pois Brizola o estimulava a resistir na defesa de seu mandato.
A movimentação das tropas deslocou-se de Minas Gerais e São Paulo em 
direção ao Rio de Janeiro o qual era sede do 1º. Exército, do qual se 
esperava uma possível reação na defesa de João Goulart. O General
 Âncora, comandante do 1º. Exército ao telefonar para o palácio presidencial 
em busca de instruções, soube que o presidente havia se evadido rumo a Porto
 Alegre, deixando o recado de que não desejava, sob nenhuma hipótese, o 
choque entre militares.
Ao chegar em Porto Alegre, Jango ainda ouviu o apelo desesperado de 
Brizola, informando que o General Ladário Teles, comandante do 3º. Exército, 
estava ao seu lado oferecendo resistência, muito embora, o próprio governador
 do Rio Grande do Sul, Ildo Meneghetti, que temia a guerra civil, já ter fugido 
para o interior do Estado. Brizola chegou a chorar para que seu cunhado 
resistisse, mas foi em vão.  Jango também fugiu para o interior do RS, e depois 
exilou-se no Uruguai, seguido, logo depois, por Brizola.
O golpe de 64 negou ao povo brasileiro o direito de amadurecer a sua 
experiência democrática, essencial para o aperfeiçoamento das instituições
 e dos poderes, além de bloquear, por 21 anos, a construção de um país 
com mais justiça social. Não era a primeira vez que as forças armadas intervinham
 para obstaculizar os conflitos da política brasileira. Em 1954 algumas ações já
 haviam sido feitas. Mas em 1964, pela primeira vez, o exército estava unido 
contra o populismo, o qual: “pretendia perturbar a democracia brasileira.”
A esquerda brasileira, na órbita de seu radicalismo, ficou perplexa, e perdida,
 diante do golpe. É bom que se diga que João Goulart foi deposto por uma 
revolta militar e não por uma elite política oposicionista. O próprio Congresso 
Nacional não havia endossado nenhum pedido de impeachment, pois sabiam 
não haver votos suficientes. Seja como for, o Brasil, a partir da implementação
 do regime ditatorial, mergulhou numa infame névoa que 
obscureceu, sistematicamente, a liberdade de expressão e de participação 
política da população. Mais, os governos que se iniciavam souberam 
destroçar completamente o sistema político formado durante o período democrático.
A poderosa máquina repressiva, instalada, principalmente, a partir da 
decretação do Ato Institucional no. 5, fez com que o “combate à 
subversão” justificasse a total liberdade de ação de órgãos policiais que 
espalhavam terror sobre a sociedade, prendendo, torturando e assassinando 
supostos comunistas. As mortes, nos porões do DOI-CODI, eram encobertas
 por versões falsas de “atropelamento” ou “morte por acidente de trabalho”.
A arbitrariedade do poder, pelo governo ditatorial, se fez presente na 
censura aos meios de comunicação, nos festivais de música, no teatro, nas 
escolas e nos cinemas. Sem condições de produzir, uma significativa 
parcela de artistas e intelectuais brasileiros viram-se constrangidos ao exílio. 
Era a fase do: “Brasil: ame-o, ou deixe-o”. Na verdade, “amar o Brasil” era 
aceitar as arbitrariedades do próprio regime.
O golpe de 31 de março de 1964 castrou, e por isso deve ser 
periodicamente relembrado, o valor inalienável da democracia e da participação 
efetiva das pessoas na vida de seu país.
Chegando ao poder, os militares realizaram profunda alteração 
constitucional, promulgaram o Ato Institucional nº 1 — que cassou 
mandatos, suspendeu a imunidade parlamentar e direitos políticos — e 
promoveram a eleição, pelo Congresso Nacional, de um novo presidente, 
o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que governou até 1967. 
Os partidos políticos foram abolidos e instalado o bipartidarismo.
No campo econômico foi definido um modelo baseado no 
binômio desenvolvimento/segurança. O planejamento centralizado contribuiu 
para a estatização da economia, desempenhando o Estado atividades
 de gerenciamento da produção. Como ocorreu em outros países, a crise 
mundial da década de 1970 agravou o problema econômico brasileiro, 
acentuando a concentração de renda e os problemas das populações mais
 pobres.
Ato Institucional nº 5 ou AI-5, decreto governamental de 13 de dezembro
 de 1968, assinado pelo presidente Artur da Costa e Silva, suspendendo 
garantias constitucionais e fortalecendo a repressão aos que se 
opunham ao Movimento Militar de 1964:
Através desse Ato, o presidente podia:
a) fechar o Congresso Nacional por tempo indeterminado toda vez que 
deputados e senadores “atrapalhassem”, com suas críticas e votações, os
 projetos do Governo militar;
b) suspender direitos políticos. Se um deputado ou senador fizesse 
“oposição exagerada”, o presidente poderia “cassa-lo”;
c) Suspender direitos legais. A partir do AI-5, tornou-se comum a polícia invadir
 a casa das pessoas sem autorização judicial. O preso político era levado a
 um local desconhecido e não podia se comunicar com seus familiares..
O recrudescimento do movimento estudantil contra o governo, bem como 
o início de atividades terroristas, em 1968, foram invocados como motivos 
para colocar em recesso o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas
 e as Câmaras Municipais, e realizar novas cassações de mandatos e direitos 
políticos, além de aposentar funcionários públicos, sobretudo 
professores universitários, tidos como contrários ao regime, atingindo, entre
 outros, o ex-governador Carlos Lacerda. Concedeu ao presidente poder para 
governar por meio de decretos e estabeleceu a censura.
A tortura foi indiscriminadamente aplicada no Brasil.  Pessoas suspeitas 
de serem “subversivas ao sistema”, isto é, de estarem contra o governo militar,
 eram torturadas pelos órgãos de repressão criados pela ditadura. No caso da 
tortura, não se tratava apenas de produzir, no corpo da vítima, uma dor que a
 fizesse confessar possíveis “planos” contra o regime. A tortura também 
possuía um componente emocional, assim crianças eram torturadas diante 
de seus pais, mulheres diante do marido, marido na frente da esposa, etc. 
Muitos morreram ou estão desaparecidos até hoje.
O ato vigorou até 1979, quando foi revogado no processo de abertura 
política impulsionada no governo de Ernesto Geisel.
O fim da ditadura militar no Brasil pode ser explicado através de vários motivos. 
Entre eles, podemos citar:
a) a grave crise econômica do país, fruto dos enormes gastos com a construção 
de obras faraônicas como a ponte Rio-Niterói e a rodovia Transsamazônica. 
A crise do petróleo nos anos 70 colaborou para o agravamento dessa crise. 
A inflação aumentado e a política econômica do ministro Delfim Neto não
 lograram reverter a situação complexa do país.
b) o conflito entre as forças internas do próprio regime militar. Os órgãos 
criados para reprimir,  prender e torturar os “inimigos políticos do sistema”, 
com o tempo, passaram a gozar de muitos poderes, criando por conta própria
 uma autonomia muito grande em relação ao governo. Não foram poucos os 
conflitos entre delegados do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social)
 e o comando do exército pela captura dos mencionados inimigos políticos. 
Tal crise se agravou ainda mais quando passou a existir o chamado “esquadrão 
da morte”, formado por policiais civis que partiram para o extermínio de “bandidos”.
c) as pressões dos trabalhadores. A crise econômica por que passava o
 país fez aumentar o número de desemprego e o arrocho (perda) salarial. Na 
região do A,B,C paulista, região de grande concentração de indústrias metalúrgicas, 
os sindicados passaram a organizar grandes manifestações e greves por 
melhores condições de trabalho e de valorização salarial.
Diante de um quadro cercado de crises, os militares resolvem de forma 
“lenta e gradual” devolver o poder político do Brasil à sociedade civil.

Anos 60: os anos rebeldes

A conjuntura política dos anos 60 deu novo rumo a cultura de massas. Os militares
 que se estabeleceram no poder passaram a praticar a censura aos 
meios de comunicação, pois temiam que a influência do rádio e da televisão 
sobre a cultura popular pudesse ameaçar a "Segurança Nacional". Órgãos de 
controle dos meios de comunicação foram instalados nas rádios, jornais, 
revistas e redes de televisão para cuidar das informações e das notícias que
 seriam passadas para a população brasileira. Era a censura.
Nos outros meios de difusão cultural não foi diferente. Teatro, música, cinema
 também foram alvos da ditadura militar. Artistas, compositores, autores de
 peças teatrais foram perseguidos pelos órgãos de censura.
A produção de cultura passava pela arrogância dos militares que viam em 
tudo uma ameaça comunista. Por trás de uma letra de música, de um diálogo
 numa peça teatral ou num filme escondia-se o "perigo vermelho". De fato a 
rebeldia da juventude, dos intelectuais e artistas brasileiros engajados na luta 
contra a ditadura dava motivos para os órgãos de repressão agirem contra os 
meios de comunicação e de produção culturais. Esses meios, aliás, 
tornaram-se instrumentos da propaganda do regime militar.
Mas, mesmo assim, a arte conseguia encontrar brechas nos muros 
erguidos pela ditadura e, até, confrontar-se com ela. No cenário artístico-
cultural duas alternativas se apresentaram: o protesto contra o regime e as 
denúncias e críticas aos hábitos da sociedade brasileira.
No teatro, por exemplo, o grupo Opinião em 1965 montou a peça Liberdade 
Liberdade. Em 1966 Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. O Teatro
 de Arena encenava Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes. O TUCA 
(teatros universitários) também montava peças de protesto.
Na música Geraldo Vandré, Edu Lobo, Chico Buarque compunham letras de 
protesto contra o regime militar. De outro lado surgia a Jovem Guarda, com 
músicas que falavam de beijos, amor, sexo, numa linha de rebeldia contra 
costumes da época. No final dos anos 60 aparecia o Tropicalismo uma 
tendência artística que busca uma nova linguagem, criticando valores 
estabelecidos, concebendo a melodia e as letras de uma maneira diferente 
da Jovem Guardam, da música de protesto, da bossa nova, embora 
incorporasse elementos destes e de outros estilos e influências (Jimmy 
Hendrix, Beatles). Chegou a atingir cinema e teatro, não se limitando à música. 
Foram destaques da tropicália - Caetano Veloso, Gilberto Gil, os Mutantes, 
Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade em sua peça Macunaíma.
Tivemos também expressões da contracultura aqui no Brasil nos idos anos 60. 
No cinema, na literatura, no jornalismo alternativo buscava-se 
enfocar o homossexualismo, as minorias, as drogas, etc. Também conhecido
 como pós-tropicalismo teve seus destaques em nomes como Torquato Neto, 
Waly Sailormoon, em jornais como o Pasquim, Bondinho e Flor do Mal.
Os anos 60 significaram muito em nossa história. Primeiro pela própria ditadura 
militar que através da repressão, dos inúmeros atos de tortura, da censura,
 da propaganda acabou marcando as gerações que vivenciaram o terror 
daqueles anos. A juventude, principalmente, reagiu ou se conformou aos
 atos autoritários. A imaginação e a criatividade não foram caladas pelos 
instrumentos de repressão, mas muitos morreram pelas causas que defenderam.
 Os menos famosos, os desaparecidos políticos, os prisioneiros, aqueles que 
foram torturados, compõem uma legião que permanece até hoje no anonimato. 
É uma parcela de nossa história que não se apagará facilmente. As heranças
 desse passado recente com as intensas transformações estão ainda vivas no 
Brasil do início do século XXI.



Referências Bibliográficas

BARROS, Edgar Luiz de. O Brasil de 1945 a 1964. São Paulo: Contexto, 1994.
BRANDÃO, Antonio Carlos. DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos 
culturais de juventude.  2ª. Ed. São Paulo: Moderna, 2004.
HABERT, Nadine. A Década de 70: Apogeu e crise da ditadura militar 
brasileira. São Paulo: Ática, 2003.
NAPOLITANO, Marcos. O regime militar brasileiro: 1964-1985. 4ª. Ed. 
São Paulo: Atual, 1998.
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1030-1964).  9ª. Ed. 
 Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

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